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A Ecologia Profunda e sua relação com o orientalismo e com a tradição pagã ( a Páscoa e o bode expiatório)

          ALAN WATTS E A ECOLOGIA PROFUNDA

          Alan Watts nasceu na Inglaterra, em 1915, mas mudou-se para os EUA em 1938.
          Estudioso de religião comparada, difundiu a cultura oriental no ocidente. Escreveu livros sobre o assunto, principalmente sobre o budismo. Apesar de ser teólogo, Watts relacionava o budismo com a psicoterapia, expandindo esse pensamento a uma cosmologia que posteriormente influenciaria a ecologia profunda.
         Watts deu aulas de teologia na Universidade Harvard e tornou-se famoso como uma espécie de “guru da contracultura” dos anos 60, época da geração beatnick, quando participou de experiências psicodélicas com LSD junto com escritor Aldous Huxley (autor de Admirável mundo novo).
         Teve contato com diversos intelectuais de sua época que também, de alguma forma, criticavam o modo de vida moderno, artificial, alienado de sua relação com a natureza. O psicanalista Carl Gustav Jung, o físico Fritjof Capra e o mitólogo Joseph Campbel são alguns nomes a serem destacados.
          Fritjof Capra, através de livros como o “Tao da Física”, relacionou diversos aspectos da física pós-newtoniana (física quântica, teoria da relatividade, etc.) com o pensamento oriental. A visão da natureza como uma “teia de vida” serviu de base para o pensamento ecológico profundo que argumenta que todas as ações humanas têm consequências no todo da natureza e vice-versa.

          PÁSCOA PAGÃ E SEU SIGNIFICADO ECOLÓGICO PROFUNDO
     Relatos mais antigos da comemoração da Páscoa remontam ao antigo Egito, mas também encontramos referência nos Vedas (hindus) e também na tradição Babilônica. A páscoa é uma festa de ano novo, que era comemorado na primavera, no equinócio de 20 de março.
        A páscoa egípcia tem, em seu significado etimológico, a tradução literal de “voltar a viver”. Já na tradição judaica, a páscoa significa “passagem”, “passar por cima” (“pesah” em hebraico), e comemora o êxodo dos judeus, a saída do Egito na época da Páscoa.
        A páscoa pagã simbolizava o renascimento, a reencarnação da deusa da primavera (babilônicos), a vida que brota novamente no período da primavera. Primavera é o período por excelência do acasalamento, do florescimento, onde a natureza se encontra em seu período mais delicado, mais frágil. Era a época das primeiras festas dionisíacas, dos rituais de fertilidade, de rituais de passagem, de metamorfoses e de consulta aos oráculos. O cerimonial da páscoa é um cerimonial de purificação, de não viver da morte alheia. Era um período para se alimentar somente de frutas, de raízes, de cereais. Buscavam alimentar-se daquilo que não contém a morte.
          A própria idéia de quarentena/quaresma deriva desse período sagrado de festividades que durava 40 dias. Era um período de profundo respeito à natureza, em que se procurava evitar ao máximo tudo o que tivesse relacionado com a morte, como caçar, comer ovos, etc. Até mesmo a poda das árvores não era realizada nessa época. Era um período de jejuns e/ou de alimentação frugal (frutas, raízes).
          Para os egípcios, era um momento de refletir o feito da deusa Ísis, que reuniu as partes de Osíris despedaçado. Era uma época de união, e não de despedaçamento.
         A Páscoa comemora os rituais que consagram o ressurgimento. Para os gregos, herdeiros da tradição egípcia, é uma data em que são celebrados, por excelência, Deméter e Dionísio. Renascimento da terra (Deméter). Renascimento como purificação.

          Páscoa e a tradição judaica

          O Êxodo, que ocorreu na época da Páscoa, é uma data simbólica para os judeus, visto que, liderados pelo príncipe Moisés, partem para a terra prometida. Os judeus, que pagavam altos tributos por seus assentamentos e viviam em condições precárias no Egito, resolveram fugir justamente em uma época de preservação da natureza. Justamente por isso, dizem alguns, é que eles tiveram condições de se alimentar em situação tão precária, comendo, inclusive, ovos. Alguns dizem que a tradição de comer ovos surgiu na época da cristandade. O fato é que não é difícil encontrar diversas alusões à importância simbólica dos ovos na antiguidade (mundo visto como um ovo, etc.). Os sacerdotes egípcios, por exemplo, nunca comiam ovos.
          A celebração da Páscoa, portanto, remonta a povos que perceberam, de alguma maneira, uma conexão profunda com a natureza.

          O BODE EXPIATÓRIO

          Na tradição pagã, o pecado original é visto através da alegoria do bode expiatório. É a percepção de que um animal expia por algo que ele não fez, servindo de alimento. A figura do bode expiatório recorda à humanidade que ela vive às custas da morte alheia. Em vez de a culpa advir do sexo (a sexualidade não tinha essa conotação no paganismo), ela vinha da percepção de que criamos os animais para depois comê-los. Até mesmo os vegetais morrem para que alguém viva. É a morte de um como condição para a vida do outro. Isso produz um mal-estar expresso no seguinte questionamento: “Será que mereço manter-me vivo às custas da morte que produzo?”. Deixar isso de lado, “esquecer-se” disso refletia uma fuga de nossa condição humana. Para alguns contemporâneos, esse não questionamento demonstra uma desconexão com a realidade natural que está escondida em uma moral antropomórfica alienante.
         Após a morte de um animal para sacrifício, ele, via de regra, deveria ser consumido, pois a morte não deveria ser em vão. Essa é a origem de todos os sacrifícios na antiguidade, assim como em alguns rituais da tradição judaica (que é uma das mais antigas tradições que ainda influenciam no nosso cotidiano).
          O bode expiatório dá um caráter sagrado à morte, pois é uma consagração aos deuses (no sentido de que se reconhece a condição humana) que se reflete na purificação do homem que come de acordo com as leis do sacrifício. Já que é impossível evitar a morte, então ela deveria ser com o mínimo de violência, com o mínimo de sofrimento, e não deveria ser supérflua. O maior crime, para os antigo,s era a morte supérflua. Pensava-se que, devido a impossibilidade de evitar que matemos para viver, então que esta morte deveria ser com o máximo de medida (métron). Quem tem o métron são os Deuses. Dessa forma, aproximavam-se dos Deuses. Lembremos que a origem do homem, para as tradições arcaicas gregas, está justamente na ausência do métron.
          Os antigos, portanto, tinham uma conexão maior com a natureza, uma conexão mais profunda. Eles buscaram essa convivência natural através de pressupostos religiosos, mitológicos e simbólicos. A questão é como, na contemporaneidade, encontraremos formas de viver de maneira menos alienante de nossa condição natural. Na verdade, as dúvidas permanecem as mesmas.

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