Domingo, 02/12/2012, foi dia de clássico Gre-nal. Grêmio e
Internacional enfrentaram-se em um jogo de futebol recheado de lances
polêmicos, com muitos momentos de violência e pouco espetáculo. As
agressões partiram dos jogadores de ambos os times, confirmando que
o sentimento de raiva e de deslealdade não é característico de
algum dos times em especial. Na verdade, as cenas de violência
proporcionadas neste dia refletem também o que ocorreu em diversos
outros clássicos, evidenciando que a violência acontecida não foi
um mero fato pontual. Mais problemático ainda é quando a própria
torcida que, protegida pelo anonimato, avaliza este tipo de
comportamento em campo, elogiando jogadores agressivos como se
estivessem dando apoio a um gladiador no Coliseu. Entretanto, o que
me chamou atenção foi a repercussão desses fatos não só no campo
de futebol, mas também na internet. As redes sociais ficaram
repletas de manifestações de apoio às reações violentas de
alguns jogadores. Muitas pessoas que parecem ser tão ponderadas e
sensatas se revelam de formas surpreendentes quando estão defronte a
um computador, no conforto e na segurança de seu lar. Neste caso, não
estou levando em consideração as pessoas que apoiam a violência
normalmente, mas sim os indivíduos que revelam uma face diferente no
mundo virtual.
O filósofo da comunicação Pierre Lévy estudou o fenômeno da
virtualidade e a sua relação com a realidade. Na sua obra O que
é o virtual, Levy afirma que o mundo virtual não está em
oposição ao mundo real como alguns possam pensar. Ele entende que
“em termos rigorosamente
filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual:
virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser
diferentes”1.
Assim sendo, podemos interpretar que os comportamentos
exteriorizados através do mundo virtual são, de certa forma, reais.
Essas manifestações virtuais acontecem enquanto potências, mas não
estão deslocadas da realidade; pertencem a ela.
Ao se aprofundar no pensamento do filósofo francês, perceberemos
que ele leva em consideração a terminologia latina medieval ao
estabelecer que:
“A palavra virtual vem do latim medieval virtualis,
derivado por sua vez de virtus,
força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe
em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter
passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore
está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente
filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao atual:
virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser
diferentes. (LÉVY,
Pierre. O
que é o virtual? São
Paulo: Editora 34, 1999,
pg 15)
Ou seja, tudo aquilo que é colocado no mundo virtual, inclusive
manifestações de apologia à violência, influenciam a atualidade
latu sensu, até porque “a
virtualização é um dos principais vetores da criação da
realidade”2.
O virtual não é algo que está em um plano irreal,
inofensivo, mas sim uma forma de realidade que produz efeitos que
podem ser positivos ou negativos.
Outro aspecto importante que notei nas manifestações virtuais
desses torcedores é o fato de eles se sentirem mais à vontade ao
expressar seus pensamentos quando estão neste tipo de ambiente. É
como se existisse um certo afastamento da realidade que aumenta a
sensação de segurança de quem emite essas opiniões. Acredito que
se eles estivessem em um ambiente físico, e não na “nuvem”,
suas colocações seriam diferentes, mais sóbrias e responsáveis. O
fato da desterritorialidade de um perfil na internet traz de
alguma maneira uma sensação de permissibilidade que facilita
manifestações com um grau menor de responsabilidade. No entanto, os
responsáveis pelas declarações virtuais não podem esquecer que
suas postagens não estão alheias à realidade, pois, de uma forma
ou de outra, tendem a atualizar-se. Como diz Pierre Lévy:
“Quando uma
pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam,
eles se tornam ‘não-presentes’, se desterritoralizam. Uma
espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico
ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário. É
verdade que não são totalmente independentes do espaço-tempo de
referência, uma vez que devem sempre se inserir em suportes físicos
e se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde.” (LÉVY,
Pierre. O
que é o virtual? São
Paulo: Editora 34, 1999, pg. 21)
Podemos perceber também que um texto colocado na rede tem de fato
existência e seu conteúdo implica uma série de coisas no mundo dos
fatos. Assim como um livro ou um jornal, a internet é um meio de
divulgação de ideias que possuem impacto real no pensamento humano.
Além do mais, o próprio “texto
é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte
específico”3.O que objetiva um texto é a sua interpretação,que se virtualiza quando é colocado na web:
“(...)Se ler
consiste em selecionar [idéias e] em esquematizar, em construir uma
rede de remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em
integrar as palavras e as imagens a uma memória pessoal em
reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais
consistem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização,
de virtualização dos processos de leitura. Aqui não consideramos
mais apenas os processos técnicos de digitalização e de
apresentação do texto, mas a atividade humana de leitura e de
interpretação que integra as novas ferramentas.”
(LÉVY,
Pierre. O
que é o virtual? São
Paulo: Editora 34, 1999, pg 43)
A internet não é um mecanismo alheio à realidade, muito pelo
contrário, faz parte do todo, sendo que a forma de sua utilização
reflete diretamente na atualidade dos fatos. Achar que ela permite,
de alguma maneira, uma “realização” paralela é ignorar suas
próprias consequências e cair em simulacros que nos afastam das
“coisas mesmas”. Se esses torcedores refletissem um pouco mais
sobre seu comportamento na internet, talvez pudéssemos diminuir a
quantidade de publicações que prejudicam a nossa vida em sociedade.
REFERÊNCIAS:
1 - LÉVY,
1999, pg. 05.
2 - LÉVY,
1999, pg. 18.
3
- LÉVY, 1999, pg. 35.
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