A revista Primeira Via, do TRE-RS, entrevistou-me sobre os protestos de junho. Abaixo, o conteúdo na íntegra.
Primeira Via - Em sua opinião, o que motivou a população de Porto Alegre (em especial, claro, mas também falando sobre a população de todas as demais cidades) a ir para as ruas?
Diogo da Luz - Acredito que as pessoas foram às ruas porque perceberam que as manifestações anteriores, que tinham menos pessoas, pautaram-se em causas justas e sensatas, como a contrariedade ao aumento das tarifas de ônibus. As manifestações aqui em Porto Alegre surtiram efeito e a passagem de ônibus não aumentou. Esse sucesso influenciou manifestantes de São Paulo, que inclusive escreveram em uma faixa: "Vamos imitar Porto Alegre".
Primeira Via - E, pessoalmente, o que lhe levou às ruas? Você já tinha participado de manifestações anteriormente. Se a resposta for sim, quais as diferenças dos protestos anteriores para os protestos de agora?
Diogo da Luz - Eu fui a algumas manifestações porque sou usuário de transporte coletivo e acho que há um descaso neste setor há muito tempo. O TCE já apontou irregularidades nas contas apresentadas que, até o momento, não foram esclarecidas. Antes dos protestos de junho, somente tinha participado de manifestações pelo nosso sindicato, o SINTRAJUFE. Algo que percebi de diferente nestas manifestações que tomaram conta do país foi a forma horizontal em que esta se estabeleceu. A internet pode contribuir muito neste aspecto, pois amplia a participação das pessoas.
Primeira Via - Os manifestantes, em Porto Alegre, criticaram muito a ação da polícia militar e a cobertura jornalística de alguns veículos de imprensa ao longo dos protestos? O que você acha disso? Você presenciou alguma ação violenta da polícia? Algum amigo(a) sofreu algum tipo de violência? Você destacaria algum veículo ou alguma matéria particularmente questionável sobre os protestos?
Diogo da Luz - A polícia foi criticada por muitas vezes não diferenciar os manifestantes pacíficos dos vândalos que se aproveitam de momentos como esse. Entendo que situações como essas são complexas, entretanto ficou notório o despreparo de muitos policiais. A polícia, antes de tudo, deve ter em conta o seu papel social. Eu mesmo presenciei atos de violência que foram totalmente desnecessários quando vi policiais lançarem bombas de gás lacrimogênio pelas costas, quando a manifestação estava longe. Não havia motivo para aquilo. Isso só faz a revolta das pessoas aumentarem. Quanto às mídias jornalísticas, estas foram duramente criticadas por divulgarem fatos de maneira muito parcial, de forma a direcionar o posicionamento do leitor de acordo com seus interesses e os interesses de seus anunciantes. Ao meu ver, a parcialidade é algo inevitável quando tratamos de um veículo de notícias. O grande problema é que é permitido o monopólio midiático, que acumula diversas plataformas de informação. Um fato que me marcou bastante foi quando, em uma das manifestações, se pretendeu finalizar o protesto em frente ao prédio da RBS. Ao chegar próximo ao prédio da empresa, percebeu-se que havia mais policiais guarnecendo aquele local do que quando as manifestações eram em frente a prédios públicos.
Há diversas matérias questionáveis, não somente sobre os protestos, mas sobre muitos outros fatos. Como a pergunta é específica, destacaria a cobertura da Globo no dia 20/07/2013, que preferiu mostrar mais os focos de vandalismo do que a conjuntura da manifestação em si. Se 20 mil fossem vândalos, uma nova Porto Alegre teria que ser construída.
Primeira Via - A partir de julho, os protestos, em Porto Alegre, diminuíram. Pq você acha que houve esse refluxo? As manifestações voltarão?
Diogo da Luz - Acredito que o povo brasileiro tem uma tradição em ser pacato perante assuntos públicos. A falta de informação e a cultura do medo advinda de um histórico oligárquico ainda é muito presente. Mas a internet é um fato novo. Essa manifestação não teve respaldo midiático, como o "Fora Collor. A liberdade encontrada no ambiente virtual agiu como um catalizador para as manifestações.
As manifestações ainda ocorrem, mas não em grande escala como antes. Mesmo assim, ainda tenho a impressão de que os mega protestos podem novamente ocorrer. Contudo, espero que surjam em prol de pautas objetivas, pois a aleatoriedade das pautas pode facilitar o direcionamento desses movimentos para causas não explícitas.
Primeira Via - Qual o rescaldo deste mês de junho? Você imagina ter surgido uma nova forma de política, novas lideranças, novas formas jornalísticas de cobertura de grandes eventos populares?
Diogo da Luz - O rescaldo do mês de junho é que se percebeu que o povo pode ser além de um mero coadjuvante na política.
Não sei de nenhuma liderança que tenha surgido nessas manifestações, nem de nenhuma forma nova de política. Por enquanto, o que sei é que a mídia alternativa está ganhando muito espaço. Um exemplo é a Mídia Ninja, que ganhou destaque por acompanhar os protestos de baixo, e não de helicópteros, pois não precisa esconder sua identificação tapando o logotipo de sua empresa.
Primeira Via - As “reações” das autoridades – promessa de passe livre metropolitano no RS, possível plebiscito sobre reforma política – responderam ao que as ruas estavam pedindo?
Diogo da Luz - Com relação ao que as ruas estavam pedindo, ao menos aqui em Porto Alegre, se conseguiu que a passagem de ônibus não fosse reajustada. Quanto aos demais problemas, nada foi feito. Baixar impostos sobre o transporte público só mostrou os vícios que os atuais governantes têm. Os problemas estruturais são mantidos e os ajustes se fazem somente através de aumento e diminuição de impostos. Já em nível nacional, eu acredito ter sido interessante a questão do plebiscito somente por reabrir a discussão da reforma política, pois o mesmo ainda não ocorreu devido a diversas alegações que, com certeza, o povo não tem conhecimento por se tratar de temas demasiado técnicos.
Primeira Via - Você voltaria às ruas? Melhor, você faria tudo de novo?
Diogo da Luz - Sim.
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