"A indiferença estoica é profundamente diferente da indiferença pirroniana (ceticismo de Pirro). Para o pirrônico, tudo é indiferente porque não se pode saber se uma coisa é boa ou má. Não há aqui nada que não seja indiferente, é a própria indiferença. Para o estoico, há uma única coisa que não é indiferente: a intenção moral, que se põe como boa ou má e leva o homem a modificar-se a si mesmo e à sua atitude com relação ao mundo. E indiferença consiste em não fazer diferença, mas em querer, amar mesmo, de maneira igual, tudo o que é determinado pelo destino.
Mas pode-se perguntar como o estoico orienta-se na vida, se tudo é indiferente exceto a intenção moral. Deve-se casar, exercer uma atividade política ou um oficio, servir à pátria? Aqui aparece uma parte essencial da doutrina estoica: a teoria dos "deveres" (não a do dever em geral) ou das "ações apropriadas". Essa teoria vai permitir à vontade boa econtrar matéria de exercício, para ser guiada por um código de conduta prática, e combinar um valor relativo às coisas indiferentes, que são, em princípio, sem valor.
Para fundar essa teoria dos "deveres", os estoicos retornam à sua intuição fundamental, a do acordo instintivo e original do ser vivo consigo mesmo, que exprime a vontade profunda da natureza. Os seres vivos têm uma propensão original a conservar-se e a repelir o que ameaça sua integridade. Com a aparição da razão no homem, o instinto natural tornar-se-á coisa refletida e raciocinada: o amor pela vida, por exemplo, o amor pelas crianças, o amor pelos concidadãos, fundado no instinto de sociabilidade. Casar-se, ter uma atividade política, servir à pátria, todas essas ações serão apropriadas à natureza humana e terão um valor. O que caracteriza a "ação apropriada" é que em parte ela depende de nós, pois supõe uma intenção moral, e em parte não depende, pois seu êxito depende não só de nossa vontade, mas dos outros homens ou das circunstâncias, dos acontecimentos, do destino enfim. Essa teoria dos deveres ou ações apropriadas permite ao filósofo orientar-se na incerteza da vida cotidiana, ao propor escolhas razoáveis, que nossa razão pode aprovar sem jamais ter a certeza de fazer bem. O que conta, com efeito, não é o resultado, sempre incerto, não é a eficácia, mas a intenção de fazer bem. O estoico age sempre "sob reserva", ao dizer a si mesmo: "Eu quero fazer isto se o destino o permitir". Se o destino não o permite, buscará o êxito de outra maneira ou aceitará o destino, querendo o que acontece.
O estoico age sempre "sob reserva", mas age, toma parte na vida social e política. Esse também é um ponto muito importante que o separa dos epicuristas, que se retiram, em princípio, de tudo o que pode causar preocupação. Ele age não em seu próprio interesse material ou mesmo espiritual, mas de maneira desinteressada, a serviço da comunidade humana:
'Nenhuma escola tem mais bondade e doçura, nenhuma tem mais amor pelos homens, mais atenção pelo bem comum. O fim que ela nos assinala é ser útil, ajudar os outros e ter cuidado, não somente de si mesmo, mas de todos em geral e cada um em particular'." (Sêneca. Da clemência, II, 3, 3).
Trecho extraído do livro "O que é filosofia antiga?" de Pierre Hadot, p. 196-198.
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